domingo, 29 de agosto de 2021

As coisas começam. E as coisas acabam também. O fim é quase sempre triste, mesmo aqueles esperados. Mesmo quando sabemos que vai acontecer. Os finais de ciclos nos fazem perceber a transitoriedade da vida. Isso as vezes é bom e as vezes é ruim. Saber que algo que não nos agrada pode acabar é um alento, mas saber que algo bom também pode acabar, é sofrido. A melhor parte dos finais é que eles também são novos começos. As vezes não pra gente, não com a gente. Finais muitas vezes são despedidas. São momentos de deixar o outro ir. O outro ser outro sem você. E não ser na vida do outro o que você já foi pode dar um vazio. Mas daí aparecem outros outros. Outras coisas. Novidades. Hoje precisei lidar com mais um fim. Um entre montes que ainda virão. Estou triste pelo fim. E feliz por tudo que aconteceu antes dele acontecer. 

Era uma quinta feira, o dia raiava e nós fazíamos planos. Novas experiências, novos lugares para ir e algumas coisas já conhecidas para reviver. Estávamos felizes. Éramos felizes. Não sabíamos que em menos de vinte e quatro horas estaríamos mortos, eu num sentido figurado, ele não.

Eu me lembro vagamente do dia em que eu morri. Alguns detalhes são vívidos, mas são flashes, memórias que eu não tenho tanta certeza se aconteceram ou se eu inventei. O se fantasiei as verdadeiras memórias para me aliviar, me torturar ou me acalentar, dependendo do momento. A minha sorte foi morrer um pouco antes, enquanto ele ainda vivia, na hora que eu percebi o que estava acontecendo. Na hora que eu entendi cruamente o que é a solidão. Ele me dizia, “todo mundo é só”. Eu entendi naquele momento. Estávamos os dois no mesmo quarto daquela manhã, juntos como naquela manhã, mas não mais acompanhados. Estávamos cada um sozinho no seu sofrimento. E nenhum dos dois podia fazer nada pelo outro. E ninguém mais no mundo podia fazer nada por nós dois. 


Em algum momento uma chave desligou. Eu não sei precisar exatamente quando, mas aconteceu. Como quando a gente senta na própria perna e ela adormece. Aí a gente vai levantar e não sente aquela perna. Não adianta beliscar, bater ou arranhar. Não dá pra sentir muita coisa. E essa fui eu por um longo período. Quanto mais os dias passavam mais cruel comigo eu me tornava, tentando a cada momento sentir alguma coisa, sentir um pouco mais. 


O curioso da dormência é que você não sabe quando vai passar. No início a gente cutuca, belisca. No final está enfiando uma agulha pra ter certeza que aquele pedaço do seu corpo ainda vive. Por fora o dedo parece muito bem, mas só você sabe que tem alguma coisa errada. 


Não sei dizer direito também quando a minha vida voltou. Na verdade, não sei dizer ainda se ela realmente voltou, com tudo já. O que eu sei é que os indícios de que ela está voltando estão aparecendo aos poucos. As distâncias estão diminuindo, as pequenas alegrias voltando. Está tudo diferente mas está tudo bem. Não acho que eu voltarei a sentir as coisas da mesma maneira de antes, o que eu acredito ser uma benção. 


Qual o ponto de morrer e voltar a vida se é pra tudo continuar como era antes?